quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Entrevista com o escritor António Torrado



Entre Vistas - Na sua infância era um bom leitor?
António Torrado - Era um razoável leitor. No próximo sábado, vou participar em Silves numa conferência, onde vou falar sobre os livros da minha vida. Esta conferência faz parte de um ciclo organizado pela biblioteca de Silves. Felizmente, que não me pediram um livro mas um conjunto de livros. O primeiro livro de que vou falar é da “Cartilha Maternal” de João de Deus, foi o livro que me abriu para os outros livros todos. Nessa altura, os livros não eram tanto atraentes quanto isso. Havia poucos livros para jovens e eu comecei a ler cedo demais, a ler livros que ainda não estavam bem para a minha idade. Eu não era um leitor que só lia. Também, praticava desporto, praticava hóquei em campo. É um desporto que em Portugal não tem muitos praticantes mas é uma modalidade olímpica, ao contrário do Hóquei em patins que ainda não é uma modalidade olímpica e também, praticava remo, porque morava à beira Tejo. Mas lia… Era particularmente atraído pelos livros que ainda não me eram destinados.
Entre Vistas - Como é que se iniciou na escrita?
António Torrado – Eu comecei por ser jornalista. A minha actividade de professor, a certa altura da minha vida, foi interrompida. Como eu trabalhava como jornalista num jornal de Lisboa, que se chamava “A Capital” e era o jornalista mais novo da redacção, atribuíram-me o suplemento infanto-juvenil que saía aos Sábados. Às Sextas, saía também um suplemento juvenil dirigido por um senhor que, anos mais tarde, viu ser-lhe atribuído o prémio Nobel da Literatura, de nome José Saramago. O meu suplemento tinha histórias, adivinhas, lengalengas, e poemas… e assim, eu fui ganhando o gosto pela escrita. Foi à conta desta situação, juntando as histórias que eu tinha criado para o suplemento do jornal que eu publiquei o meu primeiro livro.
Entre Vistas – De onde lhe vem a inspiração para criar as histórias e as personagens?
António Torrado – Para já, vem deste auditório, deste tipo de sessões. Uma das formas de eu recarregar as minhas pilhas é estar aqui convosco, perto deste auditório cheio de juventude. Estar convosco é uma forma de ganhar inspiração e de continuar a escrever.
Entre Vistas – De todas as obras publicadas qual ou quais as suas preferidas?
António Torrado – Eu quase tenho vergonha de dizer que escrevi para cima de 130 livros… E também escrevi peças de teatro, que vão juntar-se aos livros e dão mais um tanto… e ainda argumentos para cinema e para televisão, argumentos de ficção que escrevi porque trabalhei na RTP. Durante muitos anos, fui produtor principal e foi argumentista e guionista. Tudo isto dá por junto mais 25 trabalhos a juntar aos livros. Agora, lembrar-me de todos eles… não me lembro. Dizer qual é aquele que eu gostei mais é ainda mais difícil. Gostar, não sou capaz de dizer, mas custar, isso já sou capaz de dizer. O livro que me custou mais escrever foi um livro que eu fiz em dor física, em tremenda dor física. Eu tinha de entregar na editora, até Março, um livro que se destinava a ser publicado, no Natal de 1999, para o livro ser ilustrado, ser montado e ser posto no mercado em Outubro ou Novembro. Entretanto, no Natal anterior… no Natal de 98, dei uma grande queda numa escada de pedra e fracturei o cóccix. Durante três meses, não me podia sentar. Ou, estava deitado de barriga para baixo, ou, em pé. Eu tinha de fazer o livro. Tinha o livro já na cabeça, tinha de o fazer até Março… porque fazia parte do contrato… e escrevi-o. Escrevi-o numa bancada alta, em pé. Nunca, tinha experimentado… já sabia que havia escritores que escreviam em pé… O Eça de Queiroz, por exemplo, e escrevi em dor física. Ao escrever, esquecia-me das dores, porque a escrita também serve para nos aliviar das dores. Dores físicas, dores morais e a leitura também servem para isso.
Entre Vistas – De todas as obras que escreveu, qual ou quais as que lhe deram mais trabalho?
António Torrado – Esta, por exemplo, porque eu estava em pé, quanto muito para ver televisão podia estar de joelhos. Só de me lembrar disso, ainda tenho umas dorezitas.

António Torrado ao raio X


Entre Vistas – Um livro preferido?
António Torrado – Não vou falar de um livro preferido. Como já vos disse, no próximo sábado, vou falar da “Cartilha Maternal”, mas gostaria de vos falar de um livro que me marcou muito… “A Montanha Mágica” de um escritor alemão chamado Thomas Mann, mas isso é um livro para vocês lerem lá mais para adiante.
Entre Vistas – Um autor ou uma autora preferido?
António Torrado – Eu tenho muito prazer em saber que nas estantes das bibliotecas, quando os autores estão distribuídos por ordem alfabética, os meus livros estão chegadinhos aos livros de um grande escritor português… Torrado é vizinho de Torga… Torga primeiro, e Torrado depois… Tenho a impressão que não há outro escritor entre nós. Isso, dá-me um imenso prazer porque fico ombreando com um grande escritor que eu sempre admirei desde que comecei a lê-lo e que eu mal conheci quando estive em Coimbra. Também, tenho um grande prazer de saber que os meus livros de teatro estão perto de um grande escritor dramaturgo russo chamado Tchekov… Tchekov e Torrado também estão perto um do outro… não sei se aparece algum outro pelo meio… mas dos dramaturgos que eu conheço, não estou a ver ninguém… e antes de nós, está outro grande escritor dramaturgo que se chama Shakespeare… e são estes os escritores que eu tenho como principais alvos da minha admiração.
Entre Vistas – O filme da sua vida?
António Torrado – Um dos filmes da minha vida foi “Do Céu caiu uma Estrela”, com o actor James Stewart, outro foi “A Quimera do Ouro”, com o Charlot, mas tenho muitos. Eu fiz cineclubismo e gosto muito dos filmes antigos, anteriores ao meu tempo de cinema. E recomendo-os para quem gosta de cinema.
Entre Vistas – A cidade que mais gostou de visitar?
António Torrado – Muitas, mas destaco o Rio de Janeiro.
Entre Vistas – A cidade que gostaria de visitar?
António Torrado – S. Petersburgo que ainda não conheço. Gostaria de fazer um cruzeiro começando pela Suécia, navegar no mar báltico, tocar a Lituânia e a sua capital Riga e descer até S. Petersburgo.
Entre Vistas - Um dia especial?
António Torrado - Por acaso, o dia do meu aniversário não é um dia que seja, para mim, muito especial. Talvez, o dia do aniversário dos meus filhos… Não sou muito dado a datas.
Entre Vistas – Um desejo?
António Torrado - Os desejos não se contam. Os desejos para eles se realizarem têm que ficar secretos… se não… não há hipóteses… Os desejos e os segredos guardam-se. Tenho-os… mas agora não digo.




Como disse, na entrevista, sessões como esta são particularmente inspiradores para a minha vida profissional da escrita para os mais jovens. Se no fim da minha intervenção me agradeceram com palmas, eu retribuo e agradeço a vossa participação atenta com o meu "Bem Haja!". Também merecem palmas.
António Torrado
Dez. 2009
 
Entrevista conduzida por Bárbara Tomé Marques e Rodrigo Miquelino
Guião da entrevista - produção colectiva 6ºA (2009/10)